quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A reprodução humana assistida



INTRODUÇÃO
A reprodução humana assistida é um tema polêmico e atual, que desencadeia debates éticos e questionamentos jurídicos, visto que interfere no processo de procriação natural do homem, fazendo surgir situações até pouco tempo inimagináveis, que desafiam o direito, principalmente no que tange às relações de parentesco, fazendo com que o conceito de filiação seja repensado.
Cabe ressaltar, como bem expõe Silvio de Salvo Venosa que:
 “advirta-se, de plano, que o código de 2002 não autoriza nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa deve ser regulada por lei específica, por um estatuto ou microssistema”.

FILIAÇÃO
Filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de parentesco consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida.
Porém, se faz necessário lembrar que nem sempre esse liame decorre de união sexual, podendo também provir de inseminação artificial homóloga (artigo 1.597, III), ou heteróloga, desde que tenha havido autorização do marido (artigo 1.597, IV), ou de fertilização in vitro ou na proveta (artigo 1.597).

FILIAÇÃO MATRIMONIAL
A filiação matrimonial é a que se origina na constância do casamento dos pais, ainda que anulado ou nulo (artigos 1.561 e 1.617). Todavia pode ocorrer que o filho seja concebido antes e nascido depois da celebração do casamento, sem que por isso deixe a filiação de ser matrimonial. – ou ainda, havida por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido de sua mãe, por inseminação artificial heteróloga, realizada com a anuência do marido de sua genitora e por fertilização in vitro, se era embrião excedentário, oriundo de concepção artificial homóloga (artigo 1.597, III a V).

FILIAÇÃO NÃO- MATRIMONIAL
A filiação não matrimonial é a decorrente de relações extramatrimoniais, sendo que os filhos durante elas gerados classificam-se didaticamente em: 1º- Naturais, se descenderem de pais entre os quais não havia nenhum impedimento matrimonial no momento em que foram concebidos.
2 º- Espúrios  , se oriundos da união de homem e mulher entre os quais havia, por ocasião da concepção, impedimento matrimonial. Assim, são espúrios: a) os adulterinos, que nascem de casal impedido de casar em virtude de casamento anterior, resultando de um adultério. O filho adulterino pode resultar de duplo adultério, ou seja, de adulterinidade bilateral, se descender de homem casado e mulher casada; ou, ainda, de adulterinidade unilateral, se gerado por homem casado e mulher livre ou solteira, caso em que é adulterino a patre, ou por homem livre ou solteiro e mulher casada, sendo, então, adulterino a matre; os provenientes de genitor separado não são adulterinos, mas simplesmente naturais. b) os incestuosos, nascidos de homem e de mulher que, ante parentesco natural, civil ou afim, não podiam convolar núpcias à época de sua concepção.
Hoje, juridicamente, só se pode falar em filiação matrimonial e não matrimonial; vedadas estão, portanto, quaisquer discriminações.

ADOÇÃO
A adoção é um vínculo de parentesco civil, em linha reta, estabelecendo entre adotante, ou adotantes, e o adotado um liame legal de paternidade e filiação civil. Tal posição de filho será definitiva ou irrevogável, para todos os efeitos legais, uma vez que desliga o adotado de qualquer vínculo com os pais de sangue, salvo os impedimentos para o casamento (artigo 227, §§ 5º e 6º da CRFB), criando verdadeiros laços de parentesco entre o adotado e a família do adotante (artigo 1.626).
 A adoção, é uma medida de proteção e uma instituição de caráter humanitário, que tem por um lado, por escopo, dar filhos àqueles a quem a natureza negou e por outro lado uma finalidade assistencial, constituindo um meio de melhorar a condição moral e material do adotado.

IRREVOGABILIDADE DA ADOÇÃO (ECA, ARTIGO 48)
Mesmo que os adotantes venham a ter filhos, aos quais o adotado está equiparado, tendo os mesmos deveres e direitos, inclusive sucessórios, proibindo-se quaisquer designações discriminatórias, relativas à filiação. A adoção é irreversível, entrando o adotado definitivamente para a família do adotante. A morte do adotante não restabelecerá o poder familiar dos pais naturais (artigo 1.626, caput e artigo 49 do ECA).

PRESUNÇÃO LEGAL JURIS TANTUM DA PATERNIDADE
Em virtude da impossibilidade de se provar diretamente a paternidade, o Código Civil assenta a filiação num jogo de presunções, fundadas em probabilidades, daí estatuir no (artigo 1.597) que se presumem matrimoniais os filhos concebidos na constância do casamento dos pais. Esta presunção é relativa ou júris tantum,pois a prova contrária é limitada, porém, em relação a terceiros é absoluta, pois ninguém pode contestar filiação de alguém, visto ser a ação para esse fim privativa do pai (artigo 1.601). Firma o Código a presunção de que é pai aquele que o casamento demonstra; assim, presume a lei que o filho de mulher casada foi gerado pelo seu marido. Pai, até prova em contrário por ele próprio produzida, é o marido.
Com base em conhecimentos científicos, nosso Código Civil, no artigo 1.597, estabelece a presunção de que foram concebidos na constância do casamento: Os filhos nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal e não do dia da celebração do ato nupcial, porque há casos de casamento por procuração. Os filhos nascidos dentro dos 300 dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, separação, nulidade ou anulação, porque a gestação humana não vai além desse prazo. Por conseguinte, o filho que nasceu 10 meses após a dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal é considerado matrimonial, pois poderia ter sido concebido no último dia de vigência do enlace matrimonial. Os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido. Tendo o filho concebido post mortem a possibilidade de integração familiar e social, tendo em vista que a família monoparental é protegida constitucionalmente.
Segundo o Enunciado nº 106 do STJ, aprovado nas jornadas de Direito Civil de 2002:
“para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte”.

Os filhos havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentário, decorrentes de concepção artificial homóloga. Sendo necessária para isso, anuência expressa do casal após esclarecimento da técnica de reprodução assistida in vitro a que se submeterão.
Os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que haja prévia autorização do marido, reforçando a natureza socioafetiva do parentesco.
Pelo Enunciado nº 104 do STJ, aprovado nas jornadas de Direito Civil de 2002:
 “no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa de vontade no curso do casamento”.            

REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA
Considera-se reprodução assistida heteróloga, quando o espermatozóide ou o óvulo utilizado na fecundação, ou até mesmo ambos, são provenientes de terceiros que não aqueles que serão os pais socioafetivos da criança gerada.
A presunção do artigo 1.597, V, visa a instaurar a vontade procriacional no marido, como um meio de impedi-lo de desconhecer a paternidade do filho voluntariamente assumido ao autorizar a inseminação heteróloga de sua mulher. A paternidade, então, apesar de não conter componente genético, terá fundamento moral, privilegiando-se a relação socioafetiva.
Como bem pondera Zeno Veloso: “seria injurídico, injusto, além de imoral e torpe, que o marido pudesse desdizer-se e, por sua vontade, ao seu arbítrio,desfazer um vínculo tão significativo, para o qual aderiu consciente e voluntariamente”.
O artigo 1.597, V, procurou fazer com que o princípio de segurança das relações jurídicas prevalecesse diante do compromisso vinculante entre cônjuges de assumir paternidade e maternidade, mesmo com componente genético estranho, dando-se prevalência ao elemento institucional e não ao biológico, pois mais importante que o vínculo biológico é o socioafetivo, impregnado de amor e de solidariedade familiar.
No entanto, o assunto em pauta, gera muita polêmica. A grande problemática está na possibilidade ou não de acesso da pessoa gerada à sua identidade genética.
A resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, prevê no inciso IV, nº 2 e 3, o anonimato dos doadores e receptores. Observando-se assim, que não só deverá ser mantida em sigilo a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, como também dos receptores, de modo que  resguarde o direito à intimidade das pessoas envolvidas (artigo 5º, X, da CRFB) frente à coletividade.
Este sigilo tem fundamento pelas conseqüências que poderiam ser geradas, caso as informações a respeito da origem da filiação viessem a público. O sigilo não só facilitaria a integração da criança à família, como também, impediria essa mesma criança de sofrer posterior discriminação social, pela peculiaridade de como foi gerada.
Compartilhando dessa opinião, Maria Claudia Crespo Brauner afirma que:
“a identidade do doador só pode ser revelada em caso de critérios médicos emergenciais, como, por exemplo, nas situações em que a pessoa tenha necessidade de obter informação genética indispensável à sua saúde, ou quando da utilização de gametas com carga genética defeituosa. A alegação de que a criança tem o direito de conhecer sua origem genética, serviria apenas para realçar o conceito de paternidade biológica, sendo este um conceito ultrapassado, em razão da valorização da paternidade afetiva”.

Já Belmiro Pedro Welter, acredita que:
 “não importa o tipo de reprodução. Em qualquer caso, tanto os filhos quanto os pais possuem o direito de investigar e, até mesmo, negar a paternidade biológica, como parte integrante de seus direitos de cidadania e dignidade da pessoa humana. Em caso de interesse do filho o anonimato deveria ser desocultado, uma vez que não participou do acordo entre os doadores e receptores. Afirma ainda, que a investigação de paternidade permitiria o conhecimento da ancestralidade, da origem, da identidade pessoal, impedindo o incesto, preservando os impedimentos matrimoniais e evitando enfermidades hereditárias. Daí a justificativa que também ao doador caberia o direito da investigação de paternidade”.

Para Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
 “deve-se preservar o anonimato das pessoas envolvidas, porém, devem ceder à pessoa que resultou da técnica concepcionista heteróloga, o acesso às informações sobre toda a sua história sob o aspecto biológico para o resguardo de sua existência, com a proteção contra possíveis doenças hereditárias, sendo o único titular de interesse legítimo para descobrir suas origens, utilizando-se para tanto, dos direitos fundamentais à identidade, à privacidade e à intimidade, reconhecidos pelo Direito brasileiro. Acredita ainda o autor, que, a criança gerada para fazer valer esse direito, poderia utilizar-se do remédio constitucional do hábeas data, previsto no artigo 5º, LXXI, “a”, da CRFB; não se restringindo este à Administração Pública, podendo também atingir entidades que mantenham bancos de dados de caráter público”.

Como se pode ver, muitos são os problemas gerados pela reprodução assistida que refogem ao âmbito do direito civil, caindo, pois, sob a égide do biodireito, por envolver questões jurídicas e técnicas que só podem ser regidas por normas especiais.
No entanto, cabe ressaltar, que o assunto abordado, revela uma insegurança e um retrocesso jurídico no que concerne à publicidade da paternidade da reprodução assistida heteróloga. Tendo em vista, que o papel da convivência socioafetiva possui força jurídica no atual Direito Pátrio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro Vol V. São Paulo. Saraiva, 19ª ed, revista, aumentada e atualizada. 2004.
GOMES,Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro. Forense, 3ª ed. 1978.
WELTER, Belmiro Pedro.  Igualdade Entre as Filiações Biológicas e Socioafetiva. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2003.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. A Nova Filiação: O Biodireito e as relações Parentais: O Estabelecimento da Parentalidade-Filiação e os Efeitos Jurídicos da Reprodução Assistida Heteróloga. Rio de Janeiro. Renovar. 2003.
BRAUNER, Maria Claudia Crespo, Direito, Sexualidade e Reprodução humana: Conquistas Médicas e o Debate Bioético. Rio de Janeiro. Renovar.2003.